A guerra das informações

"Na guerra, a primeira vítima é a verdade." Esta frase, geralmente é atribuída ao filósofo grego Ésquilo, ou ao político britânico Philip Snowden e até mesmo ao escritor inglês Samuel Johnson, mas sua real autoria é desconhecida. Apesar de não ter uma atribuição plenamente reconhecida, esta frase tem, em sua essência, uma constatação fática sobre o que acontece com a dita "verdade" em tempos de guerra.


Em 24 de fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia e passou a atacá-la constantemente, dia a pós dia, com artilharia pesada, mísseis, tanques, caças e com... dúvidas. Isso porque as informações vindas de órgãos oficiais, de ambos os lados, se agridem na mesma proporção de uma rajada de metralhadora e um alvo fácil.

Dados conflitantes, explosões de "porquês", ataques contra o direito de saber o que realmente está acontecendo. De um lado, o agressor (Rússia), do outro o agredido (Ucrânia) e no meio o resto da sociedade representada pelos "soldados da informação". Jornalistas que enfrentam o dilema de captar informações, traduzi-las e expô-las com isenção, o que nem sempre é uma tarefa fácil. A munição dos repórteres e apresentadores é tão letal quando uma bomba de verdade: a informação. E se for usada de modo errado pode causar danos gigantescos.

A Ucrânia mantém um discurso de resistência, convoca civis a pegar em armas e combater diretamente os soldados russos. Do outro lado, a Rússia diz que esta é uma "operação militar" para trazer a paz ao povo ucraniano. Uma guerra de falácias, de discursos, de retóricas que revelam faces diferentes da mesma moeda.

Hoje, 21 de março de 2022, faz 26 dias que a Ucrânia vem sendo atacada pela Rússia. Logo no primeiro dia, uma quinta-feira, montamos uma "força-tarefa" na redação da Record News para cobrir essa guerra. Eu passei a entrar às 2 horas da manhã e assumir as transmissões na hora seguinte. Parte de meus colegas também anteciparam seus horários de entrada para dar suporte a programação especial. Nos primeiros dias, ficámos quase que 24 horas no ar só falando sobre essa invasão no leste europeu.


A todo momento chegam imagens e informações de agências de notícias internacionais que, assim como no bom jornalismo, repassavam as informações captadas direto das fontes oficiais e de repórteres em campo. Mas, mesmo fazendo tudo certo, o erro pode acontecer. O ser humano é falho, não é perfeito, mas tentamos a todo momento estamos abertos a aprender com nossos equívocos.

Em uma guerra, a informação também é usada como arma de ataque ou defesa. Essa "munição" nos é dada e, com ela, agimos para melhor informar nosso público. O problema é quando a fonte oficial nos manipula com imagens falsas de ataques, com dados exagerados, com omissão de números reais ou, até mesmo, com mentiras, tudo para que a opinião pública tenha uma reação a seu favor e contra seu opositor. E isso acontece de ambos os lados, seja do opressor ou do oprimido.

Conversei ao vivo com especialistas que, por diversas vezes, alertaram sobre a possível incerteza dos dados apresentados tanto pela Rússia como pela Ucrânia. O número de baixas, por exemplo, era sempre conflitante. Certa vez, autoridades ucranianas disseram ter matado mais de 4 mil soldados russos. Do outro lado, os russos disseram que essas perdas não chegavam a 500. Em quem acreditar? Quem estava com a verdade? Como confirmar se até mesmo os jornalistas estavam morrendo no campo de batalha.

Um dos lados, a Rússia  em questão, começou a limitar as informações oficiais. Proibiu jornalistas e influenciadores de falarem negativamente sobre o que estava acontecendo com o país vizinho. Usar o termo "guerra" ou "invasão" poderia ser punido com prisão com penas de até 15 anos. Mas, a jornalista Marina Ovsyannikova foi corajosa e enfrentou o sistema russo de censura. Ela invadiu o estúdio do canal estatal russo, no dia 14 de março, com um cartaz em protesto contra a guerra na Ucrânia. Na cartolina trazia a mensagem "Pare a guerra" Não acredite em propaganda" Eles estão mentindo pra você aqui." Ela foi detida, mas vai responder por este "vandalismo" em liberdade.



Durante a guerra é muito difícil checar as informações. Não há internet, telefone ou mesmo liberdade de locomoção para coletar dados e confrontá-los. O trabalho dos jornalistas fica limitado justamente nas mãos das fontes oficiais.

Deus ajude os correspondentes de guerra que se arriscam para tentar mostrar o famoso "recorte da realidade" em tempos e nos locais de conflito. Oremos por dias melhores e que a verdade se sobressaia, mesmo que ela seja tão amarga quando o sabor da dúvida implantada por quem manipula as informações.


T.M. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As 'letrinhas' que os apresentadores leem

Qual microfone usar?

Passagem: quando um repórter aparece